Do leite à açorda. Para a história da alimentação infantil (séculos XVI-XIX).

Paulo Drumond Braga, Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

Resumo


1. Definindo conceitos e âmbitos de estudo

Comecemos por definir a infância de acordo com os parâmetros da época, uma vez que não teve sempre o mesmo significado. Mas pensemos, desde já, que aos 12 anos as meninas podiam ser madrinhas e podiam casar-se. Aos meninos, para esses mesmos fins, exigiam-se 14 anos. Ou seja, à luz da legislação eclesiástica, tendo em conta as diferenças de género, atingia-se a maturidade bastante cedo, se tivermos em conta os padrões actuais. No entanto, a maioridade variou entre os 14 e os 25 anos, pensemos nos casos de regência e na necessidade de ter um curador para os que fossem menores de 25 anos, quando eram presos pelo Santo Ofício da Inquisição. 25 anos era também a idade mínima para casar sem autorização paterna e até para desempenhar determinados cargos e funções. Por seu turno, os expostos ficavam emancipados aos 21 anos. Significa isto que chegar a adulto antes dos 20 anos não era ideia aceite. Ora, como se definia infância e adolescência? Para Bluteau, as idades da vida eram infância, puerícia, adolescência, menoridade e mocidade. A infância ia até aos sete anos (recordemos, que a partir dessa idade, as crianças poderiam começar a trabalhar, pelo menos a aprender formalmente um ofício), embora o mesmo autor tenha chamado a atenção que outros a terminavam aos 14 anos. Assim, nesse quadro, puerícia era uma parte da infância, algo entre os três, quatro anos e os nove dez, já a adolescência começava aos 15 e iria até aos 25, no caso dos rapazes e 21 no das raparigas, pois nessas idades deixavam de crescer. A mocidade iria dos 10 ou dos 14 aos 25, apesar de alguns defenderem que poderia compreender as pessoas entre os 22 e os 42 ou entre 25 e os 30-40 anos. Adultos eram os que tinham chegado à adolescência. Ou seja, a diversidade de opiniões era patente já nos séculos XVII e XVIII[1]. No caso em estudo, optamos por nos centrarmos nas crianças até aos sete anos, independentemente de incluirmos pontualmente alguns dados para idades próximas. Outro aspecto a ter em linha de conta, quando tratamos de questões afectas à história da alimentação, refere-se ao facto de termos disponíveis muito mais fontes para os períodos mais recentes do que para épocas mais recuadas. Por outro lado, importa ter presente que, independentemente destas questões, a compreensão das práticas alimentares e da sociabilidade à mesa têm, necessariamente, que ser articuladas com outros aspectos, tais como o poder de compra dos diferentes grupos consumidores, a sazonalidade de determinados alimentos, os interditos alimentares de carácter religioso (por exemplo entre muçulmanos, judeus, hindus e outros), as crenças populares, as variáveis meio urbano, meio rural e refeição comum ou refeição festiva. Na verdade, quando estamos perante o estudo da alimentação infantil, nem todas estas variáveis têm peso ou têm o mesmo peso, especialmente quando nos referimos às crianças mais pequenas que ainda só se alimentavam de leite

[1] Cf. SÁ, Isabel dos Guimarães – As Crianças e as Idades da Vida. In Mattoso, José (dir.)– História da Vida Privada em Portugal, vol. 2. A Idade Moderna, Monteiro, Nuno Gonçalo (coord.). Lisboa: Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2010. pp. 74-76.


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