Apoio privado à pobreza: a influência do «catolicismo social» no legado de Francisco Xavier da Cruz Araújo

José Abílio Coelho

Resumo


Com o triunfo do Liberalismo, a legislação portuguesa respeitante à assistência foi-se alterando progressivamente, passando o Estado a assumir, cada vez mais, um importante papel no apoio aos mais necessitados. Contudo, entre o espírito dasleis e a realidade vivida fora das grandes cidades, existiu sempre um enorme fosso: tornava-se desigual o que era exequível em Lisboa, no Porto ou mesmo em alguns concelhos mais pequenos, mas nos quais existia uma prática assistencial que vinha de tempos remotos, assente, sobretudo, na prestação das Misericórdias e outras irmandades, e o que era possível garantir em municípios onde estas estruturas nãoexistiam e o apoio à pobreza estivera, desde sempre, reduzido à caridade de famílias mais ou menos abastadas e àquilo que as paróquias ou as câmaras municipais conseguiam dispensar dos seus magros orçamentos. Póvoa de Lanhoso foi um desses concelhos do interior que teve na sua câmara municipal, ao longo do século XIX e na primeira década e meia do seguinte, aúnica instituição que deu apoio sistemático a pobres e doentes, embora essa ajuda tenha estado, sempre, condicionada pelas suas reduzidas possibilidades. Fê-lo, quer através do pagamento esporádico a hospitais de fora do município que tratavamos doentes dali naturais, quer pela atribuição de verbas temporárias a amas para acriação de expostos, e ainda de pequenos subsídios a famílias muito pobres para a alimentação dos seus dependentes, como generosamente se encontra registado nas actas do município. A existência de um partido médico municipal, alargado a dois em 1905, era outro mecanismo previsto na lei através do qual a câmara apoiava os doentes pobres de um concelho onde, refira-se, não existiam nem Misericórdia nem qualquer outra instituição de beneficência. A primeira instituição de carácter assistencial que ali veio a existir surgiu já bem entrado em anos o século XX, quando um «brasileiro» rico e sem filhos, chamado António Ferreira Lopes instituiu, em 1917 e a custas exclusivamente suas, um modelar hospital, destinado a receber três dezenas de doentes pobres, hospital que manteve também a expensas próprias até 1927, ano em que faleceu. Esta unidade de saúde viria a resultar, em 1928, e dando seguimento às disposições testamentárias do instituidor, na fundação da «Misericórdia e Hospital António Lopes da Póvoa de Lanhoso». Não obstante, aquele concelho podia ter beneficiado de um outro pequeno hospital quase duas décadas antes. Para esse fim, e influenciado para a emergente questão do «catolicismo social» fez testamento, em 1901, Francisco Xavier da Cruz Araújo, um abastado proprietário agrícola a quem não restavam familiares directos, ao instituir que, após a sua morte, a maior parte da sua fortuna fosse aplicadana construção de uma casa de saúde destinada a pobres da freguesia de brunhais. Para a administrar, escolheu a Junta de Paróquia brunhalense, à frente da qual seencontrava o pároco e seu principal conselheiro. Não obstante, dada a inoperância das leis, por um lado; e face a alterações de carácter político-estratégico por parte do pároco, a quem o benemérito também escolhera como seu principal testamenteiro, por outro, o hospital não chegaria a ser construído. É sobre esse longo processo, que se arrastou ao longo de quase duas décadas e até que outras medidas de apoio aos pobres de brunhais fossem tomadas, que pretendemos reflectir seguidamente.

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