Os Juízos de Paz e o Liberalismo português

Jorge Brandão Carvalho

Resumo


AS ORIGENS DOS JUÍZES DE PAZ

A reflexão sobre as transformações que o liberalismo introduziu na Administração da Justiça encontra, ainda hoje, muitas zonas desconhecidas e a necessitar de novas investigações e aprofundamentos. Uma das áreas onde isto acontece é a das justiças de maior proximidade em relação às populações, em que se inscrevem os Juízes de Paz.

Embora nem sempre salientadas num plano de relevo, é inquestionável a importância que assumiram as alterações verificadas na organização jurídica do país após o advento do Liberalismo. Não podemos, no entanto, esquecer que um grande número de alterações foi sendo introduzida no direito nacional desde os finais do século XVIII, alterações estas, em grande parte, influenciadas pelos princípios jusnaturalistas, que então dominavam na Europa. Em Portugal, pelo menos desde o tempo do Marquês de Pombal, que muitas alterações vinham a ser introduzidas na ordem jurídica nacional.

Contudo, é inquestionável que foi com a Revolução de 1820 e, posteriormente, com os textos constitucionais de 1822 e 1826, que muitos postulados iluministas e liberais – como por exemplo o da independência dos poderes do Estado – iriam ficar claramente definidos como fundamentos de uma nova ordem jurídica.

O triunfo do liberalismo vai-se alicerçar nesta ideia central, particularmente importante no que se refere ao poder judicial. Como acentua Álvaro Reis Figueira:

«(…) A máquina da justiça, durante tanto tempo confundida com a administração e com ela ao serviço do mesmo soberano, não dava, aos olhos dos liberais, as necessárias garantias de imparcialidade e respeito pelos direitos do homem, nem gozava das simpatias populares. (…)»[1].

Daí, a procura de mecanismos que salvaguardassem não só aquele princípio de independência, mas que dessem também aos cidadãos as garantias de respeito pelos seus direitos individuais e colectivos. É neste contexto que a Constituição de 1822 vai determinar no seu art.º 176 que o poder judicial pertencia exclusivamente aos juízes e que nem as cortes nem o rei o poderiam exercitar em caso algum[2]. A Carta Constitucional de 1826 confirmou este princípio ao estabelecer no art.º 118 a independência do poder judicial[3]. Paralelamente, mas intimamente ligado a este princípio aparece consagrado um outro – o da soberania do povo como fundamento dos poderes do Estado.

Este pressuposto que surge claramente vincado pela Constituição de 1822, no art.º 26, «A soberania reside essencialmente na Nação. Não pode porém ser exercitada senão pelos seus representantes legalmente eleitos.»[4], e bastante mais diluído na Carta Constitucional, constitui uma outra ideia matricial na ideologia liberal.

É com base nestes pressupostos ideológicos que podemos fazer entroncar o aparecimento de formas de participação popular na administração da justiça, de que a eleição dos jurados e a criação de juízes eleitos – nomeadamente de juízes de conciliação – representam exemplos significativos.


[1] Álvaro Reis Figueira, «Formas de participação popular na administração da justiça», Scientia Iuridica, Braga, t. XXXIII, n.º 191-192 (1984): 377.

[2] Jorge Miranda, As Constituições Portuguesas – de 1822 ao texto actual da Constituição (Lisboa: Livraria Petrony, 1992, 3.ª ed.), 79.

[3] Miranda, As Constituições Portuguesas…, 130.

[4] Miranda, As Constituições Portuguesas…, 36.


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