Quatro anos de jornalismo de saúde em Portugal*

Tendo como missão social explicar aos cidadãos o que sucede, porque sucede e o que é possível suceder a partir do momento em que um acontecimento eclode, o jornalismo em geral não tem um trabalho simplificado. No caso concreto do jornalismo da saúde, grande parte dos cidadãos encontra nos media o seu principal meio de informação e de participação na “grande aventura do conhecimento” (Moreno Espinosa, 2010). As notícias de saúde têm um papel importantíssimo na prevenção, na detecção, nos diagnósticos das doenças (Kreps, 2003) e na adopção de estilos de vida saudável (Radley et al, 2006). Percorrendo aquilo que entre 2008 e 2011 foi notícia, não podemos dizer que a imprensa portuguesa tenha contribuído para a construção daquilo que Hodgetts (2008) considera de importância vital: “uma vibrante esfera pública da saúde”. Os retratos de situação e os assuntos relacionados com políticas de saúde esgotaram grande parte dos motivos de noticiabilidade. Poder-se-ia ter apostado mais em temas relacionados com a prevenção, com atos clínicos ou com ações de cidadania… Teríamos, assim, um noticiário mais diversificado e, decerto, mais plural nas vozes citadas.

Não é, no entanto, estranha, a prevalência de uma tematização à volta dos retratos de situação e da política. Os primeiros constituem sempre um organizador elementar de qualquer tópico (fazer um ponto de situação de uma doença, de uma legislação, de um tratamento, de uma qualquer iniciativa em curso permite uma permanente e maleável atualização de matérias); os segundos, para além de andarem a reboque das fontes mais citadas em jornalismo (as fontes oficiais), constituem nos dias que correm um tópico cada vez mais atual. Briggs & Hallin (2010), depois de afirmarem que “a política e a saúde andam a par”, defendem que existem poucos campos que envolvam mais a política do que a saúde.

No processo de construção da informação sobre saúde, há um elemento que sobressai: as fontes de informação. O papel da fonte é fundamental, sobretudo quando se aborda o jornalismo desde uma perspectiva de responsabilidade social, que é o nosso modo de aproximação a este campo. Com o objectivo de assegurar a veracidade daquilo que transmitem, os jornalistas procuram fontes credíveis, encontrando nas vozes oficiais alguma segurança quanto à fiabilidade da informação transmitida. É assim na mediatização de todos os campos sociais. É assim na mediatização dos assuntos de saúde. Em Portugal e noutros países (Lopes, 2011; Terrón Blanco, 2011; Hodgetts, 2008).

Nos jornais que analisámos, predominaram fontes oficiais e fontes institucionais especializadas (nomeadamente os médicos), ou seja, fontes organizadas, com grande poder de influenciar a agenda mediática e, consequentemente, o desenho do espaço público mediatizado. Falamos de interlocutores com grande conhecimento das técnicas jornalísticas, que ganham cada vez mais espaço em contextos de crise financeira, como aquele que atravessamos agora, e que debilita a independência das empresas jornalísticas. Criou-se, assim, uma espécie de confraria das fontes que foi silenciando interlocutores que importaria ouvir. Profissionais importantes como enfermeiros, médicos desligados de qualquer cargo e pacientes ou cidadãos comuns teriam sido boas fontes, se não tivessem sido marginalizados. Para quebrar este círculo vicioso do monocronismo testemunhal, seria imprescindível alargar o cerco daqueles que falam, procurar outros indivíduos e outras fontes documentais que trouxessem mais pluralismo à noticiabilidade produzida. Não seria, decerto, necessário calar aqueles que já têm direito à palavra. Bastaria multiplicar o número de fontes citadas em cada artigo de saúde que, no caso dos jornais diários, se resume, em termos médios, a uma ou duas.

À semelhança dos acontecimentos, a geografia das fontes revela-se algo saturada à volta daqueles que estão em Lisboa. Percebe-se que é na capital que acontecem eventos mais expressivos, talvez mesmo mais relevantes, mas torna-se incompreensível a insistência em factos e testemunhos que estão num determinado ponto do país. Esta valorização de uma geografia política que não coincide com o interesse público deveria começar a ser desconstruída, ainda que se perceba que o lugar onde se fabricam as notícias se revela determinante na seleção noticiosa. Como todos sabemos, é em Lisboa que estão as redações da maior parte dos media…

Referências: 

Briggs, C.L. & Hallin, D.C. (2010). “Health reporting as political reporting: biocommunicability and the public sphere”, Journalism, 11.

Hodgetts, D.; Chamberlain, K.; Scammell, M.; Karapu, R. & Nikora, L. W. (2008). “Constructing Health News: Possibilities for a Civic-Oriented Journalism”. Health, 12, 1.

Kreps, G. (2003). “The impact of communication on cancer risk, incidence, morbidity, mortality, and quality of life”. Health Communication, 15.

Lopes, F.; Ruão, T. & Marinho, S. (2011). “Jornalismo de saúde e fontes de informação, uma análise dos jornais portugueses entre 2008 e 2010”. Revista Derecho a Comunicar, Número 2 | Mayo.

Moreno Espinosa, P. (2010). “Periodismo biomédico, nuevos contenidos mediáticos”. Estudios sobre el Mensaje Periodístico, 319.

Radley, A. et al (2006). “The making of health reflection on the first 10 years in the life of a journal”. Health, 10.

Terrón Blanco, J. L. (2011). “ El tratamiento del VIH-sida en los periódicos españoles, una investigación colaborativa”. Revista de Comunicación y Salud, vol 1, nº1.

* Este é um excerto adaptado do artigo Lopes, F., Ruão, T., Marinho, S., Araújo, R. (2012). “A saúde em notícia entre 2008 e 2010: Retratos do que a imprensa portuguesa mostrou”. Comunicação e Sociedade. Número especial:
Mediatização jornalística no campo da saúde. Ed. Húmus/Universidade do Minho.

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