A higiene pública em Ponte de Lima no século XIX: as grandes obras e as pequenas transformações
Resumo
No século XIX, vigorava uma interpretação miasmática das doenças, que atribuía a sua proliferação ao ar corrompido pela queima de materiais putrefactos e pela acumulação de imundices. Esta posição favoreceu o intervencionismo das classes burguesas, apostadas na erradicação do «submundo da pobreza» e no «aburguesamento» dos costumes. Os pobres eram tidos como responsáveis pela propagação de moléstias, devido, nomeadamente, ao seu comportamento desregrado, à insalubridade das habitações e à ausência de hábitos de higiene.
Já em finais do século XVIII e no dealbar de oitocentos, o discurso higienista das autoridades culpava os pobres pela transmissão de certas enfermidades, devido não apenas à falta de higiene, mas também à resistência face às medidas que visavam combater as doenças endémicas. No entanto, as classes populares revelavam já alguma preocupação com o asseio do corpo e até com o trajar. Todavia, esses cuidados circunscreviam-se sobretudo às partes visíveis do corpo e à muda da roupa, incidindo portanto na aparência exterior[1]. No século XIX, por influência dos usos burgueses, o banho e outras práticas de higiene íntima convertem-se em atos civilizacionais, e a sujidade identifica-se com a pobreza[2]. Encontrado o bode expiatório, havia que intervir. Assim, para evitar a disseminação dos grandes males, tornava-se imperioso avançar com grandes remédios, a começar pela limpeza das vilas e das cidades, que deveriam ser transformadas em espaços abertos, limpos e saudáveis.
[1] Na época moderna, considerava-se que a roupa era portadora de higiene e este conceito era praticado quando se processava a muda de roupa, dado que esta absorvia os suores. Deste modo, considerava-se que a roupa por si lavava e limpava o corpo. Vigarello, Georges, O Limpo e o Sujo. A Higiene do Corpo desde a Idade Média, Lisboa, Editorial Fragmentos, 1988, pp. 53-66. Em França, o banho generalizou-se entre as classes populares rurais a partir da Segunda Guerra Mundial e só na década de 50, do século XX, se operou a verdadeira «revolução higiénica». Veja-se Corbin, Alain, «Os Bastidores», in Duby, Georges; Ariés, Philippe (dir.), História da Vida Privada. Da Revolução à Grande Guerra, vol. 4…, pp. 442-446.
[2]Sobre a associação dos pobres à proliferação de surtos epidémicos ao longo do século XIX leia-se Rodrigues, José Júlio, «Lisboa e a Cholera», in Biblioteca do Povo e das Escolas, n.º 88, 1884, p. 24; Cardoso, Júlio Arthur Lopes, «Micróbios e doenças», in Biblioteca do Povo e das Escolas, n.º 152, 1912, p. 52.
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