Contributo para o estudo do abastecimento de água à cidade de Braga na Idade Moderna. O Livro da Cidade de Braga (1737)

Maria do Carmo Ribeiro, Manuela Martins

Resumo


O tecido urbano de Braga na Idade Moderna constitui um palimpsesto repleto de marcas físicas que foram sendo inscritas no plano da cidade ao longo da sua ancestral história ocupacional que remonta aos finais do século I a.C., data em que foi fundada a cidade romana de Bracara Augusta (Martins, 2000; 2004).

Graças ao cruzamento de dados de natureza distinta tem sido possível elaborar plantas interpretativas para as grandes fases históricas de ocupação da cidade (romana, medieval, moderna), mas, também, analisar a transformação de aspetos concretos do urbanismo de Braga, designadamente, o sistema viário, o parcelamento, os quarteirões e alguns edificados, considerados estruturantes na morfologia urbana, como acontece, por exemplo, com as muralhas. Igualmente, foi possível perceber que uma grande parte dos componentes da morfologia urbana foi herdada dos períodos anteriores, muito embora, com transformações adaptativas resultantes de novas formas de pensar o espaço urbano (Ribeiro, 2008). Todavia, a análise de uma temática tão complexa como o urbanismo requer, necessariamente, a rea-lização de estudos complementares, que permitam caracterizar a sua diversidade e especificidade ao longo da ocupação da cidade.

Este artigo, inserido no âmbito das investigações que procuram analisar a cidade de Braga na longa duração, pretende constituir um contributo preliminar para o estudo do abastecimento de água ao núcleo urbano durante a Idade Moderna, o qual contribui, igualmente, para uma valorização da análise diacrónica do provimento de água à cidade desde a Antiguidade.

O estudo do abastecimento de água pressupõe, necessariamente, a análise de variados aspetos do urbanismo, onde, desde logo, se destacam o local onde a água era captada, os meios e técnicas utilizados na sua captação e posterior condução para chafarizes, fontes, tanques, edifícios públicos e/ou privados. Trata-se, de facto, de uma temática bastante interessante devido à sua complexidade e à necessidade de cruzar diferentes fontes de informação que permitam analisar os vários aspetos relacionados com este elemento indispensável à vida urbana: a água.

Para a concretização dos nossos objetivos utilizámos uma metodologia multidisciplinar, baseada no cruzamento dos dados fornecidos por diferentes fontes de informação, dando particular destaque a uma fonte escrita – o Livro do tombo dos bens e propriedades, foros e pensões pertencentes ao senado da câmara secular desta cidade de Braga, existente no Arquivo Municipal de Braga, que passaremos a designar como Livro da Cidade, datado de 1737. Todavia, e ainda que a supracitada fonte documental constitua a base mais sólida e relevante para o presente trabalho, foi igualmente ensaiado o seu cruzamento com outras fontes de informação[1]. Referimo-nos, concretamente, às fontes iconográficas e cartográficas disponíveis, designadamente ao Mapa de Braunio, datado de 1594, ao Mapa da Cidade de Braga Primas e ao Mapa das Ruas de Braga, ambos de meados do século XVIII. Foram ainda pontualmente utilizadas as fontes materiais, nomeadamente o edificado histórico, enquanto vestígio material sobrevivente e parte integrante do tecido urbano atual[2].

O presente trabalho encontra-se estruturado em duas partes. Na primeira ire- mos tecer alguns considerandos sobre os antecedentes do abastecimento de água à Braga setecentista (2); na segunda, iremos proceder à abordagem da temática em apreço, começando por proceder a uma breve apresentação do Livro da Cidade, de 1737 (3), para depois, e a partir do referido documento, se analisar a caixa geral das águas da cidade (3.1); as zonas de captação (3.2) e, por fim, a rede de distribuição urbana (3.3), designadamente os chafarizes (3.3.1) e as fontes de água (3.3.2).


[1] As citações documentais serão feitas em itálico, normalizando a ortografia e a pontuação.

[2] Neste contexto, cabe-nos valorizar a profusão e o potencial das fontes escritas existentes para Braga que permitem estudar o abastecimento de água à cidade desde a Idade Média e outros aspetos interligados, designadamente, o reconhecimento detalhado do tecido urbano. A título de exemplo, refiram-se os fundos notariais, os fundos eclesiásticos do Cabido e da Mitra existentes no Arquivo Distrital de Braga, nomeadamente os Tombos das Propriedades, os Livros dos Prazos das Propriedades, referentes ao período entre 1465 e 1517, os Prazos das Casas do Cabido, mas, também, o fundo monástico- conventual, designadamente os documentos de licenças para encanação de água, bem como outras fontes diversas, como as Memórias Paroquiais de 1758, objecto de publicação sistemática para todo o reino por parte do nosso colega José Viriato Capela.


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