Construção tradicional em alvenarias. Alguns aspetos da evolução da ciência dos inertes das argamassas tradicionais

João Mascarenhas Mateus

Resumo


Em décadas recentes, muitos trabalhos de investigação têm vindo a ser desenvolvidos para aprofundar o conhecimento dos materiais utilizados tradicionalmente na construção de alvenarias, do ponto de vista físico‑químico, mineralógico, petrográfico e estático‑estrutural[2]. Tratam‑se em geral de pesquisas que se referem à aplicação dos mais recentes métodos de análise de materiais, a amostras desejadamente representativas de edifícios históricos em alvenaria. A sua pertinência é justificada pela necessidade de intervir em estruturas e revestimentos antigos. Estudam‑se os materiais tradicionais não só para compreender a sua composição como também para reproduzir novos materiais cujo comportamento seja o mais compatível com as características desses materiais históricos, no preenchimento de lacunas ou de novas construções em contacto com as pré existentes.

Apesar desta actividade, frequentemente denominada de estudo das patologias de antigos edifícios ou estruturas, só alguns estudos em português se dedicaram ao levantamento do conhecimento dos materiais históricos de construção a partir da antiga literatura técnica ou da documentação de arquivos[3].

Constituídas basicamente de blocos dispostos segundo as condições de maior estabilidade e de argamassas capazes de distribuir homogeneamente as cargas entre blocos adjacentes, as alvenarias tradicionais devem ser abordadas não só no que se refere à composição de materiais como à forma como eram realmente assemblados blocos e argamassas. No apartado das argamassas tradicionais, o conhecimento dos processos de extracção e cozedura das pedras calcárias para a produção das cais, dos métodos de extinção, dos princípios e regras de dosagem constituiem certamente capítulos fundamentais da estrutura de análise histórica‑ crítica da evolução dos ligantes na construção.

No entanto, uma argamassa tradicional não pode ser concebida sem as componentes de massa‑carga e volume conferidos pelos inertes. Menos estudados, não deixam de constituir um capítulo fundamental da arte de bem construir em alvenarias. Inicialmente mencionados no âmbito de ‘receitas’ empíricas nos primeiros exemplares impressos de literatura técnica, a sua escolha, manipulação e dosagem passou a partir do século XVIII a ser aperfeiçoada e optimizada à luz das ciências da Física e Química.

O presente texto pretende revisitar exactamente os momentos principais de inovação no conhecimento dos inertes na confecção de argamassas tradicionais à base de cal e contribuir para o conhecimento dos materiais no âmbito da História da Construção.


[2] Estudos como os de Renata Codello (1996), Anna Broccolo (2000), Maria do Rosário Veiga e José Aguiar (2005) relativos a revestimentos ou de Vítor Cóias e Silva (2007) para a análise das patologias estruturais são alguns exemplos.

[3] Dos raros exemplos devem citar‑se Técnicas tradicionais de Construção (2002) de João Mascarenhas Mateus e Argamassas tradicionais de cal (2007) de Cybéle Celestino Santiago.


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