Opiniões#10

1) Que vantagens vê numa formação académica em Jornalismo/Comunicação para o exercício da profissão de jornalista?

Em tempos, perguntaram a um célebre jornalista americano formado apenas na “tarimba” se ele sentia falta de ter frequentado um curso de Jornalismo / Comunicação. Ele respondeu algo do género (cito de cor): “Se calhar, aprendi no dia-a-dia, trabalhando numa redacção, praticamente tudo o que um curso de Jornalismo me teria ensinado. Mas demorei muito mais tempo a aprender essas coisas – e aprendi, em muitos casos, à custa de erros desnecessários. Ou seja, teria poupado tempo e esforço se tivesse feito o curso…”.

Como eu próprio costumo dizer, não tenho bem a certeza de que seja possível ensinar a fazer Jornalismo; mas tenho a certeza de que se aprende a fazer Jornalismo… E aprende-se de muitas formas, em muitos contextos, com múltiplas velocidades. Uma das formas de aprender alguma coisa de Jornalismo é a formação académica, sem dúvida. A sua maior vantagem, na minha opinião, não está na aprendizagem técnica, no sentido mais estrito do termo. Se é apenas de técnicas que se trata, isso aprende-se relativamente depressa num qualquer curso de formação profissional acelerada: fazer uma notícia, construir um “lead”, preparar uma entrevista, desenhar uma primeira página, escolher um título, pesquisar dados na Internet… O que se pode e deve aprender num curso superior é, sobretudo, o que está ANTES das técnicas (“isto é ou não é notícia?… E porquê?… A quem dou ou não dou voz?… Por que puxo isto e não aquilo à primeira página?… A que propósito me fizeram chegar esta informação precisamente agora?…”) e o que está DEPOIS delas (“Sei o que é que estou a fazer?… Que repercussões terá esta reportagem?… Tenho o direito de invadir assim o espaço daquela pessoa?… Depois de fazer isto, não devia ir fazer aquilo?…”). Ou seja, é muito menos o “quê”, o “quem”, o “onde”, o “quando” fazer, e muito mais o “como” fazer, o fazer “porquê”, o fazer “para quê”. E isso ensina-se olhando à volta, com olhar crítico, o que é hoje e como funciona o jornalismo, para o bem e para o mal. Ensina-se compreendendo como funcionam as sociedades complexas em que vivemos, com os contributos da sociologia, da psicologia, da economia, da política, da ética, da comunicação em sentido lato, da cultura, enfim. Ensina-se reflectindo sobre o papel que tem ou não tem (e pode ou não pode, e deve ou não deve ter) o jornalismo nos nossos dias. Como dizia alguém para os professores de uma escola de Jornalismo: “Ensinem-nos a pensar, a pensar bem, que nós depois ensinamos-lhes rapidamente as técnicas…”.

Ou seja: mais do que ensinar a “fazer jornalismo”, no sentido de “praticar actos de jornalismo” – algo hoje em dia perfeitamente acessível a qualquer mortal com um mínimo de espírito de observação e dois dedos de testa –, um curso superior deve contribuir para se aprender a “ser jornalista”. É mais do domínio do “ser” do que do “fazer”, com tudo o que isso implica em termos de uma identidade profissional específica. Uma identidade que se declina em saber, em saber-fazer e em saber-ser. Uma identidade com uma componente cognitiva – a das capacidades e competências – mas também (sobretudo?) com uma componente normativa – a das “boas práticas”, das regras, dos princípios, dos valores.

Esta minha perspectiva pressupõe, naturalmente, que a formação total de um jornalista estará sempre incompleta se se restringir à formação académica. Mesmo que esta inclua uma alargada componente prática, há muita coisa prática que só se aprende com a experiência em contextos profissionais – e em contacto directo, activo, quotidiano, com outros profissionais. Sucede assim com todas as profissões. Entre outros aspectos, convém não esquecer que os trabalhos práticos realizados em contexto escolar são, digamos assim, “irresponsáveis”: ninguém morre, nem vai preso, nem nos coloca um processo judicial, se o exercício jornalístico que fizemos não tiver cumprido as regras. A aprendizagem da responsabilidade, no fundo, só se faz quando aquilo que escrevemos é publicado – e com o nosso nome por baixo. E isso não se aprende numa aula.

2) Que resposta deve a formação académica dar aos efeitos da associação do mercado e das novas tecnologias ao jornalismo?

A formação académica vive neste mundo e prepara os profissionais para este mundo – não para o mundo dos anjos. Com sentido reflexivo e crítico, sem dúvida, mas sem esquecer a realidade com que se tece a comunicação social. O mercado existe e os produtos/serviços jornalísticos são também, em alguma medida, mercadorias que é preciso saber vender bem. Vender de modo honesto e não a qualquer preço, mas vender bem (até para poder manter a independência). Ou seja, comunicando com aquelas e aqueles em nome de quem se faz jornalismo.

Mas o mercado não é tudo, não é a única lei, o único deus. Há mais vida e mais lógicas para além do mercado. Quando falamos de jornalismo, falamos de um bem público que as sociedades democráticas devem garantir aos cidadãos. É o que se passa em diversas áreas que implicam com os nossos direitos fundamentais: a saúde, a educação, a justiça… Estas áreas não são, por regra, deixadas única e exclusivamente ao livro arbítrio do mercado, por se entender que há aspectos fundamentais que pode ser necessário acautelar, através de um poder regulador que compete ao Estado. O acesso à informação, a uma informação completa, abrangente, independente, livre, responsável, é um direito fundamental para um bom exercício da cidadania. Portanto, nem tudo se pode resumir ao mercado.

Quanto às novas tecnologias, elas fazem parte da nossa vida quotidiana em todos os domínios, e também no jornalismo. Mas também aqui uma formação adequada não pode restringir-se à aprendizagem mais ou menos instrumental de todos os “gadgets” de que dispomos actualmente. Desde logo, porque atrás de uma máquina ou de um botão continua a estar sempre uma pessoa, uma cabeça que decide se o dedo carrega ou não carrega. Assim, o questionamento da própria tecnologia e da sua articulação com o humano deve fazer parte de qualquer curso superior que se preze, seja na comunicação, seja em qualquer outro domínio do saber.

3) Defende uma formação sobretudo técnica (estudo e prática da técnica profissional) ou alicerçada numa componente mais reflexiva (estudo do Jornalismo integrado no universo mais vasto da Comunicação)? Porquê?
Julgo que esta questão já foi respondida no ponto 1. Julgo que as coisas não podem colocar-se em termos de “ou… ou…”. Há uma necessidade de ambas as abordagens e uma evidente complementaridade entre elas. Mas insisto que, em minha opinião, só faz sentido criar cursos superiores de jornalismo / comunicação se eles se orientarem para uma formação que vá para além de uma espécie de ensino técnico-profissionalizante.

4) Que ligação deve existir entre a academia (cursos de Jornalismo/Comunicação) e a profissão, durante o período lectivo e na fase de estágio?
Gostaria de ver uma ligação muito maior entre a academia e a profissão, com trânsito nos dois sentidos. Como sugeri atrás, entendo que a inserção em contextos profissionais (que não pode resolver-se com uns meros três meses de estágio curricular, embora estes sejam muito úteis) é um elemento essencial para a formação dos jornalistas. Algum tipo de colaboração sistemática e regular devia encontrar-se entre estes dois universos. Mas este é assunto para uma reflexão mais prolongada, que espero trazer aqui em breve.

Joaquim Fidalgo | jornalista | UMinho

Números#1

Tendência para decréscimo gradual do número de cursos de 1.º ciclo

Um indicador que é habitualmente tomado por referência quando se debate a formação em Jornalismo é o número de cursos superiores que formam futuros jornalistas. Uma avaliação desde 1996/1997 revela uma época de crescimento constante até aos “anos de Bolonha” (2006/2007 e 2007/2008), seguida de um período de estabilização e algum decréscimo, lento mas consistente, uma tendência que deverá permanecer nos próximos anos.

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A contabilização dos cursos incorpora o ensino superior politécnico e universitário; privado e público. Foram considerados os cursos que integram o “jornalismo” ou o exercício da profissão de “jornalista” no seu “perfil de formação” ou nas “saídas profissionais” (a partir do que cada curso publica no respectivo site), independentemente do peso da componente de Jornalismo no seu plano de estudos.

Os dados de 1996/1997 foram deduzidos a partir do trabalho mais abrangente (área da Comunicação) de Mário Mesquita e Cristina Ponte, que pode ser consultado aqui. Para contabilizar os cursos nos restantes anos lectivos, foi consultado, a cada ano, o site da DGES.

Opiniões#9

1) Que vantagens vê numa formação académica em Jornalismo/Comunicação para o exercício da profissão de jornalista?
No quadro de uma profissão exigente do ponto de vista social, cultural, político, económico, a formação em jornalismo assume especial preponderância também pela atual conjuntura do contexto mediático, profundamente influenciado pelas transformações impostas por um ecossistema digital e global. Do meu ponto de vista, a formação em Jornalismo e Comunicação permitirá obter um conjunto de saberes teóricos sobre o complexo papel da comunicação no mundo atual que, de outro modo, dificilmente se obterá. Se é verdade que o conhecimento prático de uma profissão se obtém nas próprias redações, por outro lado, a formação académica deve começar esse percurso, preparando os estudantes para o domínio prático das diversas linguagens do jornalismo.

2) Que resposta deve a formação académica dar aos efeitos da associação do mercado e das novas tecnologias ao jornalismo?
Vejo aqui duas dimensões diferentes. Por um lado a questão do mercado, ao qual os modelos formativos devem estar atentos, mas não subjugados. Por outro lado, a questão das novas tecnologias que, num novo ecossistema mediático dominado pelas redes globais, são cada vez mais importantes para o campo jornalístico e, nessa medida, a formação académica deve dar uma resposta concreta nesse domínio, criando modelos formativos que possibilitem aos estudantes a obtenção de conhecimentos teóricos (uso crítico dessa tecnologia) e práticos (domínio e manuseamento dessas tecnologias).

 3) Defende uma formação sobretudo técnica (estudo e prática da técnica profissional) ou alicerçada numa componente mais reflexiva (estudo do jornalismo integrado no universo mais vasto da comunicação)? Porquê?
Pensar um modelo para a formação superior de jornalistas implica, a meu ver, a adopção de estratégias e práticas que enformem um quadro formativo no qual se combinem procedimentos que facultem aos estudantes, e futuros profissionais, um conhecimento do mundo, da comunidade bem como da comunicação e que ao mesmo tempo lhes faculte ferramentas práticas no sentido de os dotar de competências técnicas essenciais para o futuro exercício da profissão. Nesse sentido, é importante contemplar no modelo duas dimensões: uma crítica e analítica que preveja um quadro de conhecimentos e competências nos domínios das ciências sociais e das ciências da comunicação que contribuam para essa análise crítica e analítica do mundo e do papel da comunicação nesse mundo, gerando alicerces nos estudantes para a própria investigação científica neste domínio; e uma prática e profissionalizante que integre um quadro de competências mínimas de índole prática, que apontem para o saber-fazer e que respondam a um denominador comum de exigência nas redações. Falamos, assim, de uma perspetiva profissionalizante que integre atividades capazes de aproximar os estudantes à realidade que encontrarão no exercício da sua profissão. Num tal quadro formativo, considero fundamental a existência de estágios, projetos extra-curriculares de carácter laboratorial e de unidades curriculares predominantemente práticas.

4) Que ligação deve existir entre a academia (cursos de jornalismo) e a profissão, durante o período letivo e na fase de estágio?
Deverá haver uma ligação estreita de colaboração e de acompanhamento. A minha experiência pessoal é que o estágio constitui um momento muito valorizado pelos estudantes, na medida em que para muitos é o primeiro contato real com a profissão. Mas, por outro lado, algumas empresas sentem-se “perdidas” no sentido em desconhecem que estratégias devem adotar para esses mesmos estagiários, em alguns casos resultando num fraco acompanhamento dos estudantes. Do meu ponto de vista, será importante uma ligação mais próxima entre a academia e as empresas que promova um equilíbrio entre a atividade profissional numa redação e o momento particular de formação em que o estudante (ainda) se encontra.

Luís Bonixe | IPPortalegre

Adriano Duarte Rodrigues
Professor jubilado UNL
Fundador dos estudos académicos de Comunicação em Portugal

ADR entende que o caráter abrangente da formação académica em comunicação não a torna especialmente preponderante no acesso à profissão de jornalista. O professor jubilado destaca a necessidade de o mundo académico e o profissional aprofundarem a autonomia. Ler mais

Sempre defendi a autonomia dos cursos de comunicação em relação ao exercício de qualquer profissão. Muitas das atividades profissionais aprendem-se no terreno, nas empresas. As vantagens da formação académica qualquer que ela seja, em jornalismo, tal como em direito, em medicina, em engenharia ou em qualquer curso académico dependem daquilo que os diplomados nesses cursos fazem dela, das qualidades pessoais de cada um (…)
No mundo moderno, qualquer confusão entre a esfera empresarial e o domínio académico é intolerável, porque não respeita a autonomia de cada uma das esferas. Isto não quer dizer que não haja uma colaboração clara e proveitosa, mas ela será tanto mais proveitosa quanto mais respeitadora da autonomia das duas esferas.


Carlos Rico

Grande Repórter da SIC
Ex-subdiretor de Informação da SIC
Ex-coordenador da SIC Porto

CR defende o estabelecimento de parcerias entre a universidade e o mundo profissional. O jornalista da SIC encara a formação académica na área como o farol que ilumina a ação profissional quotidiana. Ler mais

A formação académica é fonte de dúvida, inquietação  e debate permanentes;  é estrada aberta à reflexão em torno do fenómeno da comunicação de massas, a partir das teses desenvolvidas ao longo do tempo por autores provenientes das mais variadas disciplinas. Reflexão que, em última análise, nos torna – se não imunes – pelo menos muito mais preparados para detetar e resistir a tentativas de pressão, desvio e manipulação de uma prática profissional alicerçada na verdade e na confiança entre o jornalista e o público para quem trabalha.


Filipa Gaspar

Licenciada pela UM
Mestranda em Jornalismo UNL
Estagiária SIC

FG considera a formação académica em Portugal demasiado teórica. A aluna concretiza, nesta fase, o seu primeiro contacto em ambiente profissional. Ler mais

Considero que neste momento a oferta académica em Portugal se foca demasiado na teoria e menos na prática, ou seja, nós, alunos, somos preparados para ser teóricos e pouco preparados ‘para ir para a rua fazer jornalismo’.

 

Opiniões#8

1) Que vantagens vê numa formação académica em Jornalismo/Comunicação para o exercício da profissão de jornalista?
Para além do óbvio aprofundamento de um conjunto de técnicas de expressão necessárias ao exercício da profissão e do manuseamento das  ferramentas tecnológicas que o sustentam,  a formação académica contribui para uma visão muito mais alargada – universalista, diria – dos frágeis e intrincados equilíbrios do mundo que somos chamados a interpretar e a reportar no dia-a-dia. A formação académica é fonte de dúvida, inquietação  e debate permanentes;  é estrada aberta à reflexão em torno do fenómeno da comunicação de massas, a partir das teses desenvolvidas ao longo do tempo por autores provenientes das mais variadas disciplinas. Reflexão que, em última análise, nos torna – se não imunes – pelo menos muito mais preparados para detetar e resistir a tentativas de pressão, desvio e manipulação de uma prática profissional alicerçada na verdade e na confiança entre o jornalista e o público para quem trabalha.

2) Que resposta deve a formação académica dar aos efeitos da associação do mercado e das novas tecnologias ao jornalismo?
São dois problemas distintos. O recurso às  novas tecnologias é, desde sempre, indissociável do jornalismo e, se bem que a sua utilização incorpora vários riscos (a aceleração do tempo com a consequente incapacidade de aprofundamento e análise dos factos a relatar é apenas um deles) parecem evidentes as vantagens retiradas pelo jornalista, pelos grupos de comunicação e, naturalmente, pelo público a que se destinam. À Academia cabe, então,  enquadrar estes recursos, chamando a atenção para os seus defeitos e  virtudes. Já a associação do mercado (julgo que te referes à concentração de meios em determinado grupo de comunicação social) coloca o jornalista perante um conjunto de questões de ordem ética e laboral que tende a enfraquecer a sua posição na cadeia de produção informativa. De forma mais evidente quando se sabe que determinados grupos constituem empresas de Media que mais não são do que montras de interesses políticos e económicos pouco compatíveis com a prática de um jornalismo livre e isento. Saber quem é quem neste jogo mediático que os jovens jornalistas saídos da Academia vão disputar parece-me, pois, essencial.

3) Defende uma formação sobretudo técnica (estudo e prática da técnica profissional) ou alicerçada numa componente mais reflexiva (estudo do jornalismo integrado no universo mais vasto da comunicação)? Porquê?
Defendo a coexistência das duas, sendo que, na vertente técnica, há muito que aponto a necessidade de substituir as tradicionais salas de aula da universidade por ambientes de redação, com uma organização interna que replique os modelos mais frequentes de editorias, secções, produção, agenda, etc. Aprender fazendo. Sentir a pressão do tempo. Sair para a rua para preparar reportagens que têm de estar no ar a uma determinada hora. Quanto à componente mais reflexiva da formação académica, deixei-a expressa na resposta ao ponto.

4) Que ligação deve existir entre a academia (cursos de jornalismo) e a profissão, durante o período letivo e na fase de estágio?
É fundamental. O estabelecimento de parcerias entre as empresas e os responsáveis pelos cursos de comunicação social deve ser incrementado. Conhecendo a lógica empresarial, julgo que têm de ser as universidades a promover essa aproximação, tendo em vista não só a realização de estágios, mas tentando também, sempre que possível, encaminhar trabalhos, ideias e sugestões dos próprios alunos. Tanto quanto possível, os responsáveis pelos cursos de jornalismo e comunicação devem promover encontros informais dos seus alunos com os principais agentes da profissão: jornalistas, empresários, responsáveis pelos departamentos comerciais das empresas, dirigentes do Sindicato dos Jornalistas, membros do Conselho Deontológico, responsáveis da ERC, etc.

Carlos Rico | jornalista SIC

Trabalhos#3

No laboratório em que habitualmente transformo as minhas aulas, analisamos conteúdos jornalísticos promotores de debate e impulsionadores da articulação entre a dimensão concetual e a operativa, assumindo o resultado da ação jornalística quotidiana o espelho dessa articulação. Neste sentido, trabalhamos, essencialmente, a reportagem, o género que, na sua essência, promove essa síntese. O jornalismo de investigação, produto supremo da articulação entre método e ação, ou entre a dimensão reflexiva, propiciada pela dinâmica académica, e o exercício profissional quotidiano, é o molde que seleciona os conteúdos que seleciono. Aos trabalhos de jornalistas portugueses e estrangeiros, associo alguns exemplares do meu portefólio pessoal.

São trabalhos de persistência, de confronto permanente de fontes, onde a relação jornalista – fontes suscita os mais diversos debates. Representam, no fundo, a síntese de dois mundos – academia e profissão – que me esforço por entrecruzar, num exercício de valorização permanente da identidade que molda cada um deles.

Em 2013 comecei a investigar o colapso do BPN, recuando ao ano de 1998, o ano da fundação do Banco. “A Fraude”, grande reportagem de investigação, emitida em quatro episódios (A Linha do Tempo; Anatomia de um Golpe; No Rasto do Dinheiro e a Caixa Negra) faz o relato cronológico de um escândalo financeiro que abalou um país.

Pedro Coelho | UNovaLisboa

Opiniões#7

1) Que vantagens vê numa formação académica em Jornalismo/Comunicação para o exercício da profissão de jornalista?
Uma formação académica em Jornalismo/Comunicação dará ao jornalista todo um vasto conjunto de conhecimentos sobre a profissão que vão além do exercício técnico de uma função. Designadamente, permitirá conhecer os fundamentos da profissão que exerce com uma amplitude que ultrapassa o seu contexto espaço-temporal; possibilitará a compreensão do seu papel enquanto actor num sistema social, com consequências aos níveis político, cultural e de socialização; o enfoque formativo nas humanidades e nas ciências sociais será um elemento positivo no trabalho de enquadramento e de contextualização que o jornalista deve desenvolver. Mais que formar um indivíduo tecnicamente competente, a academia formará indivíduos habilitados com competências para atribuir sentido (social, político, cultural) à sua acção, e ao mesmo tempo mais preparados para interpretar o vasto sistema (profissional, social, económico, político…) em que actuam e que lhe  constrangem os movimentos. Por fim, entendendo a academia como espaço de experimentação e de criação, da formação académica poderão vir contributos para a evolução e transformação das práticas relativamente estabilizadas e sistematizadas nas redacções.

2) Que resposta deve a formação académica dar aos efeitos da associação do mercado e das novas tecnologias ao jornalismo?
Perante essa associação, a formação académica deve enfatizar duas dimensões: 1. fornecer modelos de compreensão desses efeitos, dos seus riscos e das suas oportunidades, capacitando o jornalista para os interpretar, lhes dar sentido e lidar com eles de forma adequada, enquanto componente incontornável do seu trabalho; 2. contrapor ao poder destas influências um enfoque nos elementos normativos do jornalismo (o que é, qual o seu papel, o que deve ser perante cada situação concreta), os quais devem persistir, sobretudo se colocados perante novos desafios.

 3) Defende uma formação sobretudo técnica (estudo e prática da técnica profissional) ou alicerçada numa componente mais reflexiva (estudo do jornalismo integrado no universo mais vasto da comunicação)? Porquê?
Não defendo nenhuma das opções em exclusivo, mas uma combinação equilibrada de ambas: se uma privilegia o saber fazer (técnica) ou permite atribuir sentido ao que se faz (reflexiva). Tendo necessariamente que optar por uma, seria a segunda – por que o papel primeiro de que a academia não se deve demitir é o de “reflectir” a realidade, procurando pensá-la e compreendê-la, para depois formar para um exercício responsável (com sentido). Por seu lado, as competências técnicas poderão ser adquiridas noutros espaços (sem prejuízo de o serem na academia), e sê-lo-ao de de um modo mais adequado se enquadrados pela dimensão reflexiva fornecida pela academia.

4) Que ligação deve existir entre a academia (cursos de jornalismo) e a profissão, durante o período letivo e na fase de estágio?
Deve haver uma ligação estreita e permanente, na medida em que as duas realidades concorrem, de forma complementar, para um mesmo objectivo: a academia fornecendo modelos de reflexão e enquadramento da prática profissional, e enquanto espaço de experimentação e de criação; a profissão enquanto espaço de aplicação, validação e de confronto com situações concretas que desafiam os modelos de reflexão e a experimentação efectuada na academia. Sou favorável a uma interacção estreita entre as duas realidades, tanto quanto possível desde o início do ciclo de estudos.
Numa fase inicial, a ligação deve essencialmente consistir na análise e observação de rotinas e práticas profissionais e conteúdos produzidos, no sentido de os compreender e interpretar. Numa fase final, a ligação deve adquirir a forma de estágio curricular, e deve ser marcada pela aplicação e pelo aperfeiçoamento das competências técnicas adquiridas, pela concepção e aplicação de um protejo de acção e pela respectiva avaliação crítica.

Gil Ferreira | IPCoimbra

Documentos#2

Uma das séries que compõem a linha de Publicações da Unesco dedica-se ao ensino do Jornalismo. Deixamos aqui a referência a duas publicações, uma de 2007 e a actualização de 2013, sobre modelos de formação em Jornalismo, com a proposta de Programas detalhados de Unidades Curriculares. O Model Curricula for Journalism Education (2007) está aqui (com versão portuguesa) e o Model Curricula for Journalism Education: a compendium of new syllabi (2013) encontra-se aqui.

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Opiniões#6

A formação superior específica em Jornalismo é essencial ao exercício da profissão. Se o futuro jornalista não possuir uma licenciatura em Ciências da Comunicação ou Jornalismo,  deverá adquirir formação ao nível do 2º ciclo ou 3º ciclo (pós-graduação, mestrado ou doutoramento) nessa área. Essa experiência é condição necessária para adquirir as competências necessárias, não só ao nível do domínio das linguagens técnicas, como sobretudo fluência teórica com a história, a ética e os efeitos do Jornalismo no espaço público, na construção da cidadania e no reforço da democracia.

A universidade que oferece a formação e o mercado que assegura as oportunidades de trabalho são dois espaços distintos e devem preservar a sua identidade. Neste momento, o risco de diluição identitária afecta mais a universidade do que o mercado, que se tornou uma força dominante e universal. A universidade deve lutar para preservar a sua autonomia e a sua definição primordial como espaço de conhecimento, investigação, reflexão e problematização útil e visível na comunidade sobre os problemas e os desafios do mundo, incluindo aqueles que se colocam especificamente ao Jornalismo. Este foco não significa um desligamento de uma exigência de competitividade, sustentabilidade e adaptabilidade, valores eminentemente económicos, que devem também ser incorporados na dinâmica evolutiva dos cursos de Jornalismo, incluindo na necessidade de integrar as novas tecnologias da informação nas práticas de ensino e na abertura às empresas e aos profissionais. Mas vejo esta conciliação sem sacrifício das prioridades, que devem continuar a estar centradas na oferta de um conjunto estruturado e coerente de disciplinas alicerçadas na herança e nas preocupações das ciências sociais e das ciências da comunicação. Este núcleo de pensamento é, pela sua própria natureza, interdisciplinar, e permite cruzamentos com as artes, as tecnologias e as humanidades.

Os estágios curriculares e profissionais são uma das áreas cruciais que estabelecem a ponte entre a universidade e as empresas jornalísticas e devem ser monitorizados enquanto período de experimentação e de aprendizagem. A universidade deveria estar mais próxima dos seus estagiários e criar gabinetes especializados no acompanhamento dos estágios e na inserção na vida profissional. A integração de profissionais na docência, em todos os ciclos de estudo, a oferta de cursos livres ministrados por profissionais, o desenvolvimento de unidades curriculares voltadas para a prática jornalística e o estabelecimento de parcerias ao nível da investigação e da produção de conteúdos jornalísticos semi-profissionais são formas de reduzir a distância entre o mundo académico e o mundo profissional que ainda carecem de mais interesse e aposta.

Carla Baptista | UNovaLisboa

Experiências#3

Uma das regras que desde sempre me impus, quando se trata de dar aulas em Atelier ou Laboratório de Jornalismo, é começar por olhar (e comentar) a actualidade informativa. “Que se passa no país e no mundo?”, é a minha primeira pergunta no início de cada aula. E começa ali uma observação da realidade circundante que pode acabar nos sítios mais imprevisíveis. Um exemplo: há tempos, falou-se da prisão de José Sócrates e de duas expressões muito repetidas nesse contexto – a “presunção de inocência” e o “trânsito em julgado”. Quase todos os alunos (futuros jornalistas) sabiam o que é a “presunção de inocência”; nenhum sabia o que é o “trânsito em julgado”. E partimos dali para uma longa conversa sobre como está organizada a justiça em Portugal, que tipo de tribunais há, como se desenrolam os processos, o que é um “juiz de instrução”, o que significa ser “arguido”, que tipo de cobertura destes assuntos fazem jornais mais populares ou mais “de referência”, onde é que se procura informação, o que é o “segredo de justiça”, etc., etc. Ou seja, aspectos muito presentes na actualidade de todos os meios de comunicação social, mas cujo significado ou relevância as pessoas em grande parte desconhecem. E o mesmo se pode dizer de muitos jornalistas. Perceber o que querem dizer as expressões que nos fartamos de repetir mecanicamente é, também, uma exigência de qualquer profissional que se preze. E isto pode fazer-se a partir de uma simples conversa sobre as “notícias do dia”.

Imagine-se o que é possível conversar (e aprender) quando se apresentam à turma do Atelier de Imprensa, as primeiras páginas dos cinco jornais diários generalistas de âmbito nacional, todas de um mesmo dia:

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Joaquim Fidalgo | Jornalista | UMinho