1) Que vantagens vê numa formação académica em Jornalismo/Comunicação para o exercício da profissão de jornalista?
A minha experiência no jornalismo, no desempenho de actividades próprias de um jornalista, é manifestamente escassa. Ainda assim, não sinto qualquer dificuldade em identificar os momentos mais impressivos da minha breve passagem pela profissão. Cerca de dois anos e meio após a última notícia que escrevi, o que mais recordo são os constantes questionamentos que surgiram após cada trabalho, cada opção, e não um qualquer conteúdo em particular.
Depois de criada uma notícia, chegava invariavelmente o momento de teorizar um pouco, de avaliar o trabalho efectuado, de ponderar alternativas, futuras abordagens, de questionar regras e procedimentos implícitos, aqueles que são comungados apenas pelo hábito e tradição. Umas vezes fiquei satisfeito com o que fiz, outras com os ensinamentos originados pelas conversas com colegas e pelos meus próprios erros. Ora, estas ‘satisfações’ não surgiram por um qualquer domínio de uma dada técnica. Na sua origem estão momentos de reflexão, de maior ou menor qualidade e abrangência. E para a existência desses períodos em muito contribuiu o meu percurso académico.
Há quase dez anos li pela primeira vez uma frase que logo me intrigou, mas que só algum tempo depois, na universidade, fez verdadeiramente sentido. Ainda assim, fiquei com ela na memória desde início. Em As Intermitências da Morte, José Saramago escreveu “com as palavras todo o cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas”. Ora, foi a frequência de uma licenciatura em Ciências da Comunicação que me consciencializou para a não transparência da comunicação, que me permitiu perceber um pouco melhor a citação referida. O que geramos não é inócuo, o que escolhemos nunca resulta em um sacrossanta objectividade, o que deixamos de fora continua a existir, por muito que os conteúdos não o retratem. Não existe uma qualquer bala mágica cuja cápsula incorpore tudo o que queremos dizer e que seja capaz de passar uma mensagem intocada e intocável aos outros e pelos outros. No fundo, a minha formação académica alertou-me para a comunicação enquanto sistema complexo, com muitas partes em interacção, o que destruiu a ilusão da transparência do que comunicamos. Acredito que só na existência desta capacitação pela formação académica (como aconteceu na que tive) se pode falar de uma “vantagem competitiva sustentável” do ensino universitário em Jornalismo/Comunicação, dentro das Ciências Sociais.
2) Que resposta deve a formação académica dar aos efeitos da associação do mercado e das novas tecnologias ao jornalismo?
A formação jornalistas vive com paradoxo de ter de formar gente para um mercado de trabalho, mas gente que terá de ter ‘alma’ (ou parte dela) de profissional independente. Esta contradição não é da formação académica, é da profissão. Se se mantiver na academia, não havendo uma redução do ensino àquilo que o mercado de trabalho dita, já será um feito considerável, dado o contexto vivido.
Quanto às tecnologias, tendo em conta a velocidade com que mudam, parece-me simplesmente prudente não afunilar a formação. Assim sendo, acredito ser mais importante abrir horizontes do que apostar todas as fichas num único caminho.
3) Defende uma formação sobretudo técnica (estudo e prática da técnica profissional) ou alicerçada numa componente mais reflexiva (estudo do Jornalismo integrado no universo mais vasto da Comunicação)? Porquê?
Como avancei na primeira resposta, defendo uma formação universitária centrada numa componente eminentemente reflexiva, sem descurar a técnica, até porque esta pode e deve gerar reflexão (enquanto aluno não defendia esta ordem, dada a ânsia em avançar para o terreno, independentemente da preparação). A chave desta posição está no local onde decorre a formação: se é na universidade, parece-me redutor limitar a formação superior àquilo que cursos profissionais ou simples workshops já oferecem, ou seja, o ensino da técnica. Os grandes desafios que os jornalistas enfrentam não se prendem com a redacção do lead (ou de uma narrativa multimédia). São mais complexos, são frequentemente morais/éticos, implicando interrogações permanentes. Daí que uma formação para a reflexão seja crucial, pois facilita, em teoria, a existência e amplitude desta.
4) Que ligação deve existir entre a academia (cursos de Jornalismo/Comunicação) e a profissão, durante o período lectivo e na fase de estágio?
Nessas como noutras fases, a troca de experiências e opiniões constante parece-me ser um propósito saudável. Se a academia beneficia das questões levantadas pela prática do jornalismo, o jornalismo aplicado beneficia do tempo que a academia teve para reflectir. Tempo que muitas vezes não existe numa profissão muitas vezes obcecada pelas notícias de última hora. O período de estágio é, ainda assim, um momento especial, já que um formando da academia está numa redacção. Novamente, a troca de impressões regulares parece-me ser fundamental.
Pedro Moura | UMinho