Editorial

Jornal de Notícias, Expresso e Público - edições de 2012

Jornal de Notícias, Expresso e Público – edições de 2012

Jornalista de saúde: autor ou mediador?

Visando dar conta do estado do mundo, os jornalistas relacionam-se permanentemente com a realidade para dar dela algumas de múltiplas visões possíveis. Trata-se, acima de tudo, de uma informação construída. Nunca, pelos media, temos acesso pleno àquilo que acontece, mas é através dos ângulos nele reflectidos que se constrói parte do saber/mundo comum que nos integra, uns com os outros, num quotidiano partilhado.

Apesar de não abordar diretamente a comunicação jornalística, o ensaio de Peter Berger e Thomas Luckman A Construção Social da Realidade, sendo um contributo valioso para a sociologia do conhecimento, apresenta conceitos centrais para perceber os media enquanto lugar de transmissão e (re)construção de conhecimento. Também encontramos uma âncora importante para pensar o papel dos jornalistas em relação à informação que transmitem nos estudos da comunicação que adoptam uma matriz cognitiva, nomeadamente naqueles que se centram nos efeitos dos media. Por exemplo, a teoria do agenda-setting que vê os meios de comunicação social como instâncias de (re)produção de informação que orientam as audiências para aquilo que interessa pensar e debater. Em todos estes caminhos, recolhemos importantes contributos para defender que o jornalista não é um mero mediador. No trabalho que desenvolve, há sempre opções: de temas, de ângulos, de fontes escolhidas… e esse poder dota-o de um papel ativo no desenho do espaço público que os media fazem em permanência.

Percorrendo a literatura que fala do jornalismo, encontra-se um certo entendimento do jornalismo como instituição política ou até mesmo como ameaça à democracia; em certos contextos existe uma conceção dos jornalistas como atores políticos ou “pessoal jornalístico-político”. Falamos, na verdade, de um grupo que estrutura, e que recebe também uma estruturação, da sociedade para a qual dirige o seu trabalho.  Não se trata propriamente de uma descoberta do século XXI. Num livro publicado em 1901, intitulado A Opinião e a Multidão, Gabriel Tarde sublinhara já que as novas formas de comunicação influenciavam as transformações sociais. A imprensa constituir-se-ia, nas suas palavras, como “a mais abundante fonte reguladora e nutridora” da sociedade. Desse modo, os jornais seriam meios criadores da conversação pública e privada, formando à sua volta um público que, fisicamente separado, partilhava os mesmos interesses. Também aos jornais era dada uma função de regulação pública, feita através da partilha do governo de determinada sociedade.

Estas constatações fazem com que os jornalistas tenham de ser mais responsáveis, e mais responsabilizados, pelo trabalho que editam. Se qualquer peça jornalística é uma construção social da realidade, essa construção deve ser o mais rigorosa possível e nela deve ser integrada uma pluralidade de visões que deem do mundo uma leitura o mais próxima possível daquilo que acontece.

Felisbela Lopes, Investigadora Responsável – Projeto “A Doença em Notícia”

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